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quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Motu continuum

Agora que os espantalhos figurativos
Que na retentiva a mim acessível
Em modos de afirmação possível se vão transformando,
Sempre passíveis de naufragar
Em lampejos de luz de uma titânica bomba de afecto,
Revejo e recito para mim
As palavras que, desconhecidas, gostaria de ter escrito,
Fazendo da volúpia que me habita
Uma récita para surdos, como todos os outros o são.
Surdos à minha desentendimência,
Bem como aos sons ocos da minha alma litográfica,
Tornados perenes após a minha queda
Neste espaço que me esforço por ocupar,
Aquele de que me considero capaz,
Tudo prescrutando. Tudo ponderando.
Até que, aos lentos e suaves toques que
As paredes da minha cela
Me devolvem em alegria e desespero,
Entenda que nunca chegarei ao cimo da minha montanha,
E nunca ali hastearei a bandeira da minha vitória.
Vitória sobre mim mesmo.
Nem nunca dali verei, orgulhoso, a minha distância.
Nunca ouvirei, porque cego, a cor poliédrica do meu silêncio nem,
Surdo, as curvas ululantes da minha perda.
Sim, pois tudo não passa de um café e uma bola-de-Berlim,
Sábado, pela manhã ainda bisonha, na Praia Grande,
E o trabalho, sempre o trabalho que, inevitavelmente,
Me transcende, com a guerra, sempre inacessível,
Entre passado, porvir e o inabitável e inefável agora.
Talvez algum dia atraque num porto a meu gosto,
Ou nem sequer isso, permaneça em mar alteroso,
Tentando descortinar o sentido de os meus pés nunca
tocarem terra firme.


Incipit tragoediae,
Ceratonia siliqua

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