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domingo, 15 de julho de 2018

Escritos dispersos 15.07.2018

Renascendo

Cada encontrará lonjura sua,
E seguirá caminho entretanto,
Filho dilecto do Firmamento,
Vou lançar-me daqui pera a Lua.

Herói danado virei à rua,
Todo, acabado e pleno de encanto,
E verei meu virtuoso canto
Livre, ganhar distância sua.

Então minhas forças expandirei,
De náufrago o retornado ardor,
Viçoso, à vida c'os Humanos.

Em singelo gesto retornarei,
Após o Promontório da dor,
E p'ra trás ficarem tristes anos.

sábado, 14 de julho de 2018

Escritos dispersos 22.04.2018

(Sem título)


Amada minha, fragor a jasmim
Mulher, que já flor deste contente,
Não esqueças, lá no Oriente,
Quem, para ti, fez, inútil, um jardim.


E caso não me dês favor de ti
Deixo-te estes singelos versos,
Se, por Destino, forem incertos,
Ora me lembrem o que em ti vi.


Já meu coração vai fenecendo,
Daquilo que em ti gesto era.
E, no coração, as cicatrizes,


quando o que de ti vou lembrando,
E, por gozo, Destino fizera,
Marca serão de dias felizes.



Por meu amor destinado


Furiosa Fera que m’abitas
Tornandom’a vida descontente
Permite-me, simples, paciente
Embarcar na nau q’agora fitas.


Acompanha esse q’ali embarca,
Por portaló passa triunfante
Eu que sou sua eternamente
Seu fio não deixes cortar à Parca


Acompanha-o nessa viagem,
Eu q’aqui fico com seu infante,
Noite e dia velando o céu.


Ajuda a ter mais coragem,
Em qualquer paragem distante,
E retorne da distância todo meu.

Escritos dispersos 21.04.2018

Os Velhos (cont.)



- O amigo Francisco é um lírico – adiantou Brites Seco – Que isso não teve final a seu contento já todos o sabemos. Olhe que as mulheres são mais práticas. Isso do lirismo…

- Desculpa lá Francisco mas isso são fífias. – Você ao menos fez-se a ela? Mordeu qualquer coisa?
Francisco Penim, após fitar o vazio durante algum tempo, puxou de um cigarro, acendeu-o, deu uma baforada e disse, tão solene que parecia ridículo:



- “Dai-me força, alma minha

Para contar o que não era
Dado o amor que eu lhe tinha
No hausto da leda Primavera.



Um cabrito sacrificaria,

no altar da minha dor,
E o das primícias não seria
Tanto e tão fundo era meu torpor.



Seria tanta a dor dobrada

De tão insano e cruel gesto
Que fios de gelo consumaria.



Que nessa fria madrugada

Deixando tudo como resto
Qualquer castigo abençoaria.

Escritos dispersos 17.04.2018


Os Velhos

Três Velhos, todos rondando pelo menos setenta provectas Primaveras, estão sentados na Praça Central do Cercadinho, egrégia povoação raiana, outrora próspera vila, mercê do contrabando transfronteiriço e a quem D. Fernando, cognominado de “O Formoso” ou “O Borgonhês” deu foral, ainda corria a Primeira Dinastia.

Mas isso foi há muito tempo, antes ainda de o próprio tempo começar para qualquer um dos três Velhos. Ainda antes da abertura das fronteiras, que muito prejudicou o Aníbal Roncado, um dos três, chamado familiarmente, por parentes e amigos, como o Marreco, sendo a razão desse nome conhecida apenas do próprio, já que o mesmo nunca essa razão contou a alguém.
O Marreco, todos os mais velhos do Cercadinho o sabem, foi contrabandista, de carga e gente, esta uma outra forma daquela  que aqui para o Marreco, carga ou gente, era a mesma coisa. O que contava era a paga e como essa nunca faltou, conseguiu construir casa no Cercadinho, arranjou mulher e teve dois filhos, a Brígida e o Romão, que já não vê há anos. Desavenças, diz-se, que os Roncados são gente de maus fígados e o Marreco, mal os filhos cresceram e fizeram frente à mão de ferro com que governava a casa, foram mandados para casa de umas primas, instaladas na Foz, no Porto, para as servir. A partir daí nunca mais quis saber deles e a quem, desconhecedor da desavença, por ele lhes pergunta, responde:
-Morreram.
Assim, secamente, para atalhar conversa, que isto de recordar ingratos é coisa para gente lamecha. É noite de Verão sem Lua e o calor abrasa, vêm-se os buracos na pele de urso, que recobre o céu e tapa da vista humana o fogo celeste que se estende para lá dessa barreira.
Brites Seco, militar já reformado com a patente de coronel, a quem os outros dois ouvem com atenção e respeito, dado o seu porte aristocrático e a sua grande sabedoria, que os faz calar quando o mesmo de despega de seu mutismo e esclarece algum pormenor que os outros dois ouvem com atenção. Tem um filho, que raramente vê e a quem adora, da sua primeira e única mulher, falecida durante o parto.
O terceiro Velho é o Francisco Ferrim, antigo funcionário da CP,  também já reformado que, segundo se conhece, nunca foi correspondido nos seus amores nem teve descendência.
Falam ao calhas sobre temas e títulos que dariam a um livro que escrevessem.
- Eu escrevia um livro chamado “O Nariz” – disse o Marreco, ao que o Brites Seco retorquiu. – Porquê?
- Porque imagino que os contrabandistas o tinham que ter apurado para cheirar os cabrões da Guarda Fiscal a léguas. – Responde o Marreco, acrescentando – Pelo menos os mais novos, que se mijavam de medo quando batiam as fronteiras durante a noite. – Remata com uma gargalhada.
- Bem, fique sabendo que já existe um livro com esse nome – corrige Brites Seco.
- Era o nariz era – diz Francisco Ferrim, remetendo-se ao silêncio, fitando o pelourinho no meio da Praça. – O nariz, a língua e tudo o resto. – diz, enigmático.
- Mas o amigo o que é que tem? Porque é que se pôs macambúzio? – Pergunta Brites Seco.
- Vou contar-vos uma história – diz o Francisco Ferrim. – Quando era novo, numa altura em que era marçano numa loja em Lisboa, que ardeu no grande fogo que destruiu o Chiado, apaixonei-me pela filha do dono.
Ainda hoje me lembro dela. Achava-a linda, apesar de ter o nariz adunco e um defeito na fala. Mas estava tão apaixonado que inventei explicações para esses pequenos defeitos. Imaginei que o nariz dela tinha sido obra de Deus, pois, ao criá-la, tinha o Altíssimo ficado tão apaixonado como eu, o que não ficava bem a um Deus monoteísta, austero e grave. A tal ponto que, lembrando-se dos tecelões de tapetes persas, que colocam propositadamente uma imperfeição em cada tapete, por crerem ser a perfeição uma qualidade exclusiva de Deus, este tinha colocado aquela na forma do nariz dela pois sem ela a mesma seria demasiado perfeita.
- És um conas – se calhar nem lhe disseste nada e andas a remoer isso aí dentro há anos – disse o Marreco.
- Um momento, caro amigo Aníbal, deixemos o Francisco falar sobre essa mágoa. Diz-se que alivia falar das nossas dores – disse Brites Seco. – Continue caro amigo Francisco.
- Não é verdade que não tenha feito nada. Mas já lá vou. Em relação à fala veio-me à cabeça a ideia que teria incarnado nela a alma da sacerdotiza dos homens e mulheres que se tinham lançado à empresa de contruir uma torre que chegasse ao Céu, a Torre de Babel. Como castigo, após confundir as línguas e inviabilizar a construção da Torre, teria Deus condenado todas aquelas em quem incarnasse o espírito da sacerdotiza a terem um defeito na fala.


Amo-te


Estou sentado defronte do abismo da folha em branco, esperando que algo surja e apenas me vem à cabeça a palavra Amo-te.

Tento afastá-la. Quem sabe que obras-primas poderia estar agora a escrever, se esta palavra não tivesse encontrado a corrente que leva até ao meu coração e não se tivesse aninhado, como um bebé recém-nascido, dentro de mim e teimasse em aqui permanecer.
Face a inquilino tão importuno e persistente decidi dar-lhe alguma atenção. Olho para ele, em pantufas, sentado numa poltrona e reparo que tem um ar velho e cansado. Parece um mendigo, com os seus sapatos, arrumados ao lado da poltrona, com ar de basto uso, suas calças rotas e o seu coçado casacão. Preto, neste caso. Faz-me pena vê-lo assim, sem ter algo para lhe oferecer que lhe aquecesse o coração, eu que também pouco possuo.
Chego-me a ele e cumprimento-o:
- Olá – digo eu, tentando parecer o mais caloroso possível, de modo a quebrar o gelo.
Ele, que, absorto, contempla o infinito, nem me responde.
- Olá, Amo-te, como é que vai isso?
Então, como se retornado do reino das névoas, imensamente escuro e opaco, vejo que repara em mim:
- Olá – diz ele – Tenho fome! Dás-me de comer?
- Infelizmente nada tenho para te dar que te alimente. Tenho apenas chá preto – digo eu. Foi tudo o que restou do vendaval dos últimos dias. Mas de bom grado te ofereço uma chávena de bom e quente chá preto. É o que se dá aos convalescentes, julgo.
- Pode ser – diz ele, com ar contrafeito – Se não há nada mais substancial terá então que ser chá preto.
- Óptimo – digo eu, enquanto espevito o fogo da lareira para ali aquecer a chaleira com água. – Vou utilizar um bule especial. Era da minha avó materna. Como tanto eu como a minha mãe somos filhos únicos calhou-me em herança. Tenho uma grande estima por ele. É feito de porcelana chinesa. Está na família há décadas.
- Hum! – murmura ele, não se mostrando grandemente interessado na história do meu bule.
Encho a chaleira com água e coloco-a na grelha da lareira, onde também costumo colocar as panelas e os tachos ao lume. Pergunto-lhe:
- Por onde andaste? Tens um ar cansado – digo eu, refreando-me de referir o seu ar de mendigo e as suas olheiras, fruto da fome e do cansaço.
– Andaste a correr mundo?
- Não. Fiquei sempre aqui por perto. Tenho andado escondido. Ando fugido dos Homens. – diz secamente.
- Mas porquê? Fizeram-te mal?
- Usam-me a despropósito e hipocritamente. Estou cansado de ser utilizado para manipular e enganar outros. Sei que sempre foi assim, mas a determinada altura fartei-me e escondi-me no bosque aqui perto. Tenho vivido do que almas bondosas me vão dando. Como agora – diz, esboçando um leve sorriso, sem mostrar os dentes.
- Se quiseres podes ficar, Amo-te. Amanhã vou às compras, hoje já está tudo fechado, e podemos comer os dois algo mais substancial que chá. – digo eu, ao mesmo tempo que se ouve o silvo da chaleira, sinal que a água já está pronta para o chá.
Pego na chaleira e verto água a ferver no bule, que previamente havia preparado com o chá.
- Agora é só esperar uns minutos, digo, contente, para o meu convidado.

Escritos dispersos 16.04.2018







Abertura ao Mundo

Hoje flori.
Uma flor de muitas pétalas,
Tantas como as cores do arco-íris.
Roxo, lilás, azul, vermelho, amarelo.
Tantas cores como nomes.
Nomes de pessoas de todo o mundo.
Expus-me ao Sol,
O magnífico Sol radioso do zénite,
E descobri-me livre e inteiro,
Como numa viagem iniciática.
Cerca de mim outras flores,
Todas diferentes umas das outras,
Todas originais e únicas na sua singeleza.
E dei-me ao mundo como me entregaria a uma mulher.
Nu.
Acariciando-a com cada pétala do meu ser.
E o meu mundo cresceu.

2

Escrever qualquer coisa
Escrevo à meia-luz do bar do CCB.
Está quase vazio.
Na realidade está demasiado escuro.
Não servia para frade. A sombra agrada-me como refúgio do Sol tórrido e
inclemente do meio-dia de Verão.
Mas hoje sinto-me solar como a vagina de uma mulher, delicada e amável.
Órgão sensível e todo delicadeza, como aliás todo o corpo feminino, a
tratar com ardor e volúpia.

3

Corpo de mulher

O corpo da mulher é um poema.
O corpo da mulher é um todo.
Não se deve dividir em sílabas ou orações.
O corpo da mulher é um poema,
A ser gozado com prazenteira e vagarosa calma.
O corpo da mulher é uma maçã vermelha,
que se colhe da árvore e se saboreia,
dentada a dentada.
O corpo da mulher é o mundo,
As suas tormentas e desafios,
Alegrias e tristezas,
Desejo e volúpia,
De uma vida sonhada a dois.

4

A Guerra

A guerra pertence-me.
Eu pertenço à guerra.
Amamo-nos e odiamo-nos.
Intensamente!!!
Por vezes discutimos e chateamo-nos.
Nessas alturas somos irreconciliáveis.
Mas depois vem a paz, irremediavelmente.
E então!
E então!
Então entregamo-nos um ao outro,
Com ardor e volúpia e sem qualquer reserva.
E somos novamente um par de amantes,
A Guerra e Eu.

5

O Fim do Mundo

É Outubro. Faz frio.
Há muito que as árvores começaram a perder as folhas, que se amontoam no chão, rodopiando por vezes sob o impulso de um vento forte, parecendo labaredas enlouquecidas.
Sou uma pessoa muito ocupada. Tenho reuniões muito importantes no trabalho, que, frequentemente, me impedem de estar com a família.
Tenho 50 anos. Posso considerar-me uma pessoa bem sucedida. Sou CEO de uma grande firma. A primeira no seu segmento de mercado.
Hoje faço anos.
Logo hoje. Logo hoje.
Logo hoje que foi capa de todos os jornais, todas sem excepção, a notícia que o mundo tinha acabado.
Não estou a mentir. Não foi nenhuma previsão de astrólogo ou cartomante.
O mundo acabou.
E agora?
Eu, que tinha a minha vida organizada, tinha mulher e filhos, um óptimo emprego numa das mais prestigiadas firmas do mundo. Fazia exercício, corria pelo menos 10 quilómetros por dia, qualquer que fosse o tempo, mais de cem flexões, duzentos abdominais e 150 cangurus, não faltava a uma sessão das duas consultas semanais de psicanálise com um dos mais prestigiados psicanalistas da nossa sociedade, vejo-me agora reduzido a esta existência.
Sinto-me perdido e sem referências.
Tenho que me conformar, só isso.
Agarrar-me às lembranças da minha boa vida e andar em frente.
Sim, porque eu nunca fui de desistir.
Nunca virei a cara à luta.
Sou um self made man.
Mas isto.
Este vazio.
Sinto-me perdido sem as minhas rotinas, sem as reuniões onde brilhava sempre com a minha argúcia, a minha energia, a minha inteligência.
Sempre fui a inveja em todas as empresas por que passei. Todos os meus adversários temiam, sentia-o, quando reparavam que eu não falava, e podem ter a certeza que reparavam sempre, e depois me preparava para falar. Arrasava, quer fosse a deitar abaixo quer a elogiar.
Mas agora isto.
As outras pessoas estão como eu. Incrédulas. Ninguém sabe o que fazer.
Vagueamos sem destino porque o mundo acabou.
Ainda me lembro bem.
A vida era boa. Tinha imenso sucesso com as mulheres. Gostava delas elegantes, com seis firmes e grandes e um rabo firme e bem redondo.
Confesso que dei algumas facadas no casamento. Mas, também, quem é que não dá? Elas quase me pediam que as fodesse. Eu só escolhia as melhores, é claro. Das outras livrava-me utilizando as minhas capacidades diplomáticas e de manipulação. Em suma, cona não me faltava.
Mas agora!
E agora? O que faço?
O mundo acabou e eu não sei o que fazer.
MAMÃ!!!!