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terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Dor e ausência

Prometi à minha pena, quando te foste, ditar-lhe estas linhas por ocasião do desaparecimento do último dos meus familiares mais próximos, caso lhes sobrevivesse.
A hora chegou.
Já foi há tanto tempo, que para sempre te perdi, que receio que a minha memória me atraiçoe e não consiga resgatar, da dor que me ficou, as memórias correctas do que então se deu.
Partiste.
E contigo levaste a esperança, o ardor, o amor. Levaste o ser e a bonança, o prazer e a confiança e também tudo aquilo que não te consegui dar.
Amargos momentos finais estes, que de ti guardo, não suavizados pelo decorrer, já longo, dos anos.
Outros amores tive antes de te desejar. Te desejar com um desejo que só tu conhecerás até meus olhos deixarem de ser os fiéis guardiões da minha alma.
Outros amores tive, na verdade, mas o desejo por ti foi a última oportunidade de encontrar a felicidade, contigo a meu lado.
Outros amores tive, após te ires, embora nenhum se tenha aproximado, quando findo, do imenso vazio que de ti em meu seio se criou, nem tenha obnubilado a imensa paixão que por ti então nutri.
Verdade que nunca me deste qualquer esperança, mas a memória, o coração, o amor, não cedem na incredulidade de nunca, nunca te poder ter só para mim.
Foste a poética promessa de redenção e amor que não consegui confessar.
A fantasia perdura e, ainda que, desde além, mais aquém não te pudesse ter, ainda hoje me é difícil aceitar que não és minha.
Perduras, portanto, em mim, apesar de toda a palpabilidade da tua ausência, do vazio que não se preenche, das palavras de amor cuja confissão, sem legitimidade, imaginei poder segredar-te em doces sopros, para sempre perdidas na poeira do tempo.
Vejo-te ainda, quando te procuro. Nas florestas, nos rios, nas montanhas, nas estrelas do céu, no leitoso firmamento. Vejo-te em todo o lado, embora lá não estejas, nem nunca estiveste.
Brincámos à beira-mar, com os nossos adorados filhos, contruíndo castelos de areia, jogando à apanhada, tomando banhos de mar e em todas estas fantasias foste sempre a adorável companheira que a meu lado nunca esteve.
Meu abandonado Amor, minha invisível e impossível promessa de redenção, falta-me sempre o jeito de de ti  falar.
Resta-me o silêncio a que, após estas linha, inexoravelmente retorno.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Rainha da Noite


Da relação incestuosa com a paixão,
Me tornei pederasta do Amor.
Cantora lírica, ao rés da vida
Me vou fazendo de tédio e abnegação.
Filhos? Conto-os pelos clientes que me procuram.
Crianças, todas, enegrecidas pela dor.
No seu negrume procuram teatrais, verosímeis,
Atentados aos seus fracos corpos de abandono.
E Eu, nada mais que o tédio das noites longas,
Representando o inatingível,
O que são incapazes de receber,
A portentosa magnificência de uma deusa em queda,
De um ser em rápida degenerescência,
Incapaz de cuidar des enfants.
De mes enfants.
Tanto faz, a vida faz-se-me,
Na rotina diária do frio amplexo da dor,
De me ver confundida com o intangível, que todos procuram.

Negrume e poeira


Antes que a vontade soçobre,

E a raiva se vá,

Comerei a carne putrefacta do teu ser.

Esperando à tua morte sobreviver,

Vergastadas em teu corpo desnudo desferir,

Até o sangue bebido nos saciar,

E possamos chamar lar

Ao negrume desta noite sem lei.

Sejamos rocha e betão.

Sejamos nojo e redenção.

Que de dia a luz solar nos cegue,

Que de noite o luar nos fustigue,

Que fodamos à luz das estrelas,

Como a gataria, cães e cadelas,

Objectos podres e pustulentos,

E nos desfaçamos em esterco e lamentos.

Que das janelas saltem os suicidas,

Que das árvores baloucem os enforcados,

E na banheira de Marat

Encontremos salvação das dores que nos atormentam

Até ser impossível amar ou ser amado.

Reencontrar no teu âmago

A destruição e o opróbrio.

Da esperança, a primeira,

Dos humanos, a última.

Apetece-me fingir morrer e após matar.

Matar o mundo que deixar aos mais,

Numa ânsia de aniquilação total,

Da vontade, do engenho, da energia, da esperança, do amor.

Que a negra bílis tal desejo me conceda,

E me veja livre, numa jaula de leões,

Como entre anhos primaciais, aguardando o holocausto.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Poema III

Procuro nos rios e nos mares
O perfume que de ti evola.
E, no Oriente que consola,
Razão de profundamente amares.

Aio da graça tua quero ser,
Cerca de ti meu coração estar,
Teu amor por mim fazer despontar
E em mil partituras o ‘stender.

Desejo de ti ser o vencedor
Ao carnal dos teus lábios aceder
Em milhões de palavras te louvar.

E, não tendo tu confessado amor,
Do invernoso frio t’aquecer

E contigo verbo Amor conjugar.

Poema I

Estava meu corpo, absorto em sonhos,
Buscando palavras abstractas,
Quando a escandalosa carnalidade
De ti, mulher sobre o mundo,
Me tentou a molhar as mãos
No mar salgado das tuas alouradas ondas.
Onde tu?
Onde os sulcos do teu olhar?
Onde os socalcos do teu ser?
Onde a profundeza do teu âmago?
Onde a jovialidade do teu sorriso?
Busco, procuro o teu sortilégio.
Adivinho-o, sereno, nos interstícios da tua pintura,
Na Primavera da tua beleza,
No calor estival do teu ardor.
Na ânsia de todo o Cosmos percorrer
Até, após o êxtase, as confidências de amantes

Te retornarem à foto que de ti contemplo.