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quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Libertação

Escrevo estas linhas
À hora caldo de sopa quente
Da minha ventura.

Após reencontro de amigos,
Cada um de nós uma vontade de liberdade em processo,
Decidi lutar contra o inevitável
Prolongar da minha levemente adocicada agonia.

Já não me revejo na imagem que, de mim a mim, nunca alguma realidade fundou.

Busco novos caminhos de vida,
E tu, fruto amargo que, desabridamente,
Entre loas, sorvi, já nele não tens lugar.

Por isso, calma tua tempestade,
Que eu permaneço, qual neófito,
Um dedicado, ainda que relutante,
Aprendiz da vida plena.

domingo, 16 de setembro de 2018

Tu

Digo Tu
E o mundo refaz-se todo em mim.
Todas as madrugadas em que sonhei
Acreditando seres Tu o fiel da balança
Entre mundos tão díspares
Como o Eu e o Nós.
Digo-te baixinho
Digo-te de modo oblíquo, de viés
E sinto-me perdido na tua rectidão
A que sinto não ser digno
Por ser belo e bom tudo o que de ti provém
Todo o balançar do teu corpo
O som fisicamente palpável dos teus silêncios
E o das palavras por ti proferidas
O movimento da tua boca ao dizê-las
A tua coquetterie de prima ballerina
A tua timidez angelical e pura
Das minhas profundezas me trazem à tona
Apenas para me deslumbrar com a tua graça
Da tua presença e dos teus gestos feminis de mulher adulta
Não te imaginando eu capaz de um gesto deselegante.
Anseio por estar perto de ti
Ainda que me sinta desadequado
Quando não ridículo na tua presença
Quando te vejo rejuvenesço, acredito no impossível
E em ser capaz de mover Céus e Terra
E escrevo. Escrevo furiosamente
Até à combustão das palavras
Até à minha própria danação de ser desejante
Escrevendo continuamente até ao fim dos tempos
A partir desta varanda
De onde se vislumbra a realidade das coisas sensíveis.
Quero queimar-me inteiro e capaz
Na sarça ardente do teu Amor
E fundar religiões, provocar terramotos
Pelo confronto carnal dos nossos corpos desnudos e livres.
Quero o Absoluto, doido que sou
Um Absoluto que ultrapasse a barreira final
E perdure, perdure sempre, até ao fim dos tempos
E nenhum Homem ou Mulher se olhem
Como o fizeram até hoje.
Mas tudo isto são quimeras
Sonhos vãos de uma alma apaixonada
À qual nunca foi dada a oportunidade
De te enlaçar em seus braços
E, olhando-te no mais íntimo dos teus olhos
Dizer-te
Amo-te, meu Amor

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

A ti, coragem

De Wotan ilustre descendente,
Bela dama de doiradas grevas,
Tua graça é coragem de Héllas,
Teu porte porta do imponente.

De ebúrneos e túmidos seios,
Que da líbia seriam inveja,
Leitosa via visão deseja,
Evolam de céu os meus anseios.

Vem e toma o meu em teu braço,
Partirás para novas paragens,
Que sejam um lar nossas orações.

Assim te dou de meu teu esquiço,
Que te acompanhe em viagens,
E te lembre de mim noutras visões.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Autoemocionografia

                                                                                               
                                                                                        "
                                                          (…)
                                                          No te pude ver
                                                          cuando eras soltera,
                                                          mas de casada
                                                          te encontraré.
                                                          Te desnudaré
                                                          casada y romera,
                                                          cuando en el oscuro
                                                          las dote den.
                                                          (…)
                                                          "

                                              in Yerma, Federico Garcia Lorca



Memória persistente


          Recordo, misto de dor e prazer, as mulheres por quem me fui apaixonando ao longo da minha vida. Detenho-me no que delas em mim foi vida e desilusão. Esta, vida ainda, após aquela, sempre após aquela, que, por timidez, inépcia ou medo, nunca se concretizou.
        Nomes, ao acaso, preenchem a minha mágoa: Rita, Isabel, Filipa, Patrícia, Ana, Susana, Alexandra. E Sara. Tu Sara. Digo-te de novo, tu em quem as minhas memórias e o meu ser se perderam definitivamente e em quem permaneço à deriva.
          Amo-vos ainda e de vós guardo ainda  tanto as memória de tempos felizes e esperançosos de poder estar convosco e ver no mais fundo de vós. Igualmente das desilusões de vos ver desaparecer e ficar assim, só, assistindo impotente ao equilíbrio e à guerra entre felicidade, mágoa, raiva, a certa altura da minha vida e, por fim, também ódio, sem nele tomar parte, pois tudo isso sou eu também.
           Sois vós memórias persistentes do meu jardim, que cuido com amor e ternura.
         Mas tudo isto é nada. Sinto faltarem-me as palavras e a arte para descrever o vós em mim e todas estas me parecem aquém do que gostava de escrever, algo que fizesse jus ao que por vós senti e me faz chorar tantas amargas lágrimas que de uma fonte inesgotável do meu âmago se vão desprendendo e por meus olhos brotando.

                                    "
                        (…)
                        E eu vivo aqui desterrado e Job
                        da Vida-gémea d'Eu ser feliz!
                        E eu vivo aqui sepultado vivo
                        na Verdade de nunca ser Eu!
                        Sou apenas o Mendigo de Mim-Próprio,
                        órfão da Virgem do meu sentir.
                        E como queres que eu faça fortuna
                        se Deus, por escárnio, me deu Inteligência
                        e não tenho, sequer, irmãs bonitas
                        nem uma mãe que se venda para mim?
                        (…)
                        "

                                    in A Cena do Ódio, José de Almada Negreiros

Loucura

           Penso o fora como se de dentro se trate e tudo para mim seja dirigido e planeado por não sei quem ou onde.
          Resto-me com que tentar repor alguma distância entre mim e o mundo. Uma pele emocional, como alguém me disse, que faça  realmente Outro, ainda que o Outro dentro de mim, com quem me dar.
          Desconheço o caminho para lá chegar. Sinto-me cego, vagueando no escuro pelo mundo, que tomo como tendo em mim o seu centro num desejo omnipotente de tudo possuir e de nada abdicar.



                  "
            (...)
            Tu não sabes, meu bruto, que nós vivemos tão pouco
            que ficamos sempre a meio-caminho do desejo?
            (...)
            "

                        in A Cena do Ódio, José de Almada Negreiros


Cogito

       Não fico triste nem deprimo, dizem-me.
       Dizem-me também que sei muito e que tal me tem ajudado no meu percurso terapêutico.
       Sinceramente, à excepção do uso caseiro, não acho que tal tenha muita importância.
         Na intimidade, com uma mulher nos braços, de nada vale recitar-lhe excertos d"A Cena do Ódio" pois não há fuga possível ao encontro da carne e da solidão partilhada a dois.


  "Queria de ti um país de bondade e de bruma
  Queria de ti o mar de uma rosa de espuma."

  in Manual de Prestigiditação, Mário Cesariny de Vaconcellos