"
(…)
No te pude ver
cuando eras soltera,
mas de casada
te encontraré.
Te desnudaré
casada y romera,
cuando en el oscuro
las dote den.
(…)
"
in Yerma, Federico Garcia Lorca
Memória persistente
Recordo, misto de dor e prazer, as mulheres por quem me fui apaixonando ao longo da minha vida. Detenho-me no que delas em mim foi vida e desilusão. Esta, vida ainda, após aquela, sempre após aquela, que, por timidez, inépcia ou medo, nunca se concretizou.
Nomes, ao acaso, preenchem a minha mágoa: Rita, Isabel, Filipa, Patrícia, Ana, Susana, Alexandra. E Sara. Tu Sara. Digo-te de novo, tu em quem as minhas memórias e o meu ser se perderam definitivamente e em quem permaneço à deriva.
Amo-vos ainda e de vós guardo ainda tanto as memória de tempos felizes e esperançosos de poder estar convosco e ver no mais fundo de vós. Igualmente das desilusões de vos ver desaparecer e ficar assim, só, assistindo impotente ao equilíbrio e à guerra entre felicidade, mágoa, raiva, a certa altura da minha vida e, por fim, também ódio, sem nele tomar parte, pois tudo isso sou eu também.
Sois vós memórias persistentes do meu jardim, que cuido com amor e ternura.
Mas tudo isto é nada. Sinto faltarem-me as palavras e a arte para descrever o vós em mim e todas estas me parecem aquém do que gostava de escrever, algo que fizesse jus ao que por vós senti e me faz chorar tantas amargas lágrimas que de uma fonte inesgotável do meu âmago se vão desprendendo e por meus olhos brotando.
"
(…)
E eu vivo aqui desterrado e Job
da Vida-gémea d'Eu ser feliz!
E eu vivo aqui sepultado vivo
na Verdade de nunca ser Eu!
Sou apenas o Mendigo de Mim-Próprio,
órfão da Virgem do meu sentir.
E como queres que eu faça fortuna
se Deus, por escárnio, me deu Inteligência
e não tenho, sequer, irmãs bonitas
nem uma mãe que se venda para mim?
(…)
"
in A Cena do Ódio, José de Almada Negreiros
Loucura
Penso o fora como se de dentro se trate e tudo para mim seja dirigido e planeado por não sei quem ou onde.
Resto-me com que tentar repor alguma distância entre mim e o mundo. Uma pele emocional, como alguém me disse, que faça realmente Outro, ainda que o Outro dentro de mim, com quem me dar.
Desconheço o caminho para lá chegar. Sinto-me cego, vagueando no escuro pelo mundo, que tomo como tendo em mim o seu centro num desejo omnipotente de tudo possuir e de nada abdicar.
"
(...)
Tu não sabes, meu bruto, que nós vivemos tão pouco
que ficamos sempre a meio-caminho do desejo?
que ficamos sempre a meio-caminho do desejo?
(...)
"
in A Cena do Ódio, José de Almada Negreiros
Cogito
Não fico triste nem deprimo, dizem-me.
Dizem-me também que sei muito e que tal me tem ajudado no meu percurso terapêutico.
Sinceramente, à excepção do uso caseiro, não acho que tal tenha muita importância.
Na intimidade, com uma mulher nos braços, de nada vale recitar-lhe excertos d"A Cena do Ódio" pois não há fuga possível ao encontro da carne e da solidão partilhada a dois.
"Queria de ti um país de bondade e de bruma
Queria de ti o mar de uma rosa de espuma."
in Manual de Prestigiditação, Mário Cesariny de Vaconcellos
A quem interessar:
ResponderEliminarO excerto de Yerma, do Garcia Lorca, consta de qualquer boa tradução das obras completas do autor, penso que da Assírio e Alvim. Foi musicado pelo Paco Ibáñez e consta do CD "Por una Canción" do início da década de 90 do século passado.
Em relação a "A Cena do Ódio", do Almada Negreiros, existem no Youtube, que eu conheça, duas récitas quase completas, ambas ditas pelo Mário Viegas. Uma apenas com este poema (basta procurar por "A Cena do Ódio") e outra, que prefiro, procurando pelo LP "3 poemas de amor ódio e alguma amargura" que tem como "bónus" mais dois poemas, ditos também pelo Mário Viegas, o primeiro do Eugénio de Andrade, "Elegia das Águas Negras para Che Guevara" e, do Cesariny, "Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos".
O poema do Cesariny encontra-se, dito pelo mesmo, no CD "Os Poetas - Entre nós e as Palavras", com poemas ditos pelos autores, musicados, entre outros, pelo Rodrigo Leão (também está no Youtube procurando pelo nome do álbum).