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domingo, 31 de maio de 2020

Insónia

Sou Dario.
Sou Dario sem conseguir dormir.
Sou Dario na noite de Gaugamela.
E agora?
Dormirá?
A minha imaginação esgueira-se até Ele.
Sim, dorme.
Dorme confiante, o descendente de Aquiles.
Dorme confiante, o descendente de Zeus.
Dorme confiante, o Heleno.
Com que sonhará?
Com este ermo árido e inóspito não, certamente!
Sonha o mundo por vir.
Sonha a minha perdição!
Amanhã!
Sou Dario.
Sou Dario sem conseguir dormir.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Adeus I


Quando me chamaste pelo meu nome o teu olhar disse:

 

- Adoro-te.

- Venero-te.

- Preciso de ti.

- Sou tua.

- Entrego-me nas tuas mãos.

- Quero-te. Todo tu.

- Quero passar o resto da vida contigo.

- Quero-te ao meu lado para sempre.

- Quero que me toques.

- Quero o teu carinho.

- Quero o teu amor.

- Quero ser a tua namorada.

- Quero ser a tua amante.

- Quero ser a tua mulher.

- Quero que me possuas.

- Quero-te dentro de mim, em corpo e em espírito.

- Quero gerar os teus filhos e apenas esses.

- Quero contigo criar os nossos filhos.

- Só contigo quero discutir e depois fazer as pazes.

- Só a teu lado quero envelhecer.

- Só a tua rabugice de velho quero aturar.

- Só a teu lado quero estragar os nossos netos.

- Amo-te como jamais uma mulher amou.

 

Eras casada, sabia-o.

Eu, nada disse.

Foste-te embora.

Nunca mais te vi, embora sinta a tua presença.

Hoje nada sei de ti.

Por vezes interrogo-me se restou algo do mim em ti.

Resta-me apenas tentar sarar a ferida que me ficou da tua partida.

Escrevendo versos soltos.

Lembrando-me daquele instante em que,

Sem trocarmos sequer uma carícia ou um beijo

Fomos homem e mulher.

Fomos amantes.

Fomos um.

sábado, 16 de maio de 2020

Aurora

Oiço o nascimento do dia na voz dos pássaros,
Abro as janelas de par-em-par,
Deixo entrar a vida.
O peixinho vermelho chama por mim do interior do seu mundo.
Não me faço rogado e dou-lhe alguma comida.
É uma espécie de ritual matinal,
Este de alimentar a vida abrindo janelas para o mundo.
Espero que outros, irmãos, ainda que em remotas partes do mundo,
Abram, com tanto ou maior sentido que o meu,
As janelas da existência ao vozear matinal dos pássaros.
Em relação aos mais, espero também que, um dia,
Ainda que o tédio de um mundo feliz os assombre,
Tenham a ousadia de abrir janelas, portadas, portas, gelosias ou portalós
Ao chilrear dos pássaros bem como ao Sol nascente da existência
E, irmanados, cantemos loas à felicidade que estou imbuído
De me contar entre o número dos viventes.

domingo, 10 de maio de 2020

Jogo e Prazer

Vejo-te, companheira, no molhe do porto.
Olhas a distância estrelada,
Tal, que te imagino irmanada com o firmamento,
Convivendo, alegremente, com os corpos celestes,
Com eles percorrendo as orbes,
Com eles, qual eterna criança, brincando às escondidas,
No ditoso jogo de sermos amantes.

Eu sou o vento


O vento acaricia a copa das árvores.
Sou o homem que acaricia a sua amante.
O vento afaga-lhe as ancas.
Sou o homem que lhe descobre as ramagens.
Sou o homem que lhe colhe os frutos.
O vento sente-lhe os seios.
O vento agita-lhe as folhas, uma e outra vez.
Sou o homem que a beija nos lábios, vezes sem conta.
Buscamos a flor, a particularíssima flor do seu íntimo,
Que ela, trocista, oculta.
Eu sou o vento.
Tu és a mulher que alberga as andorinhas.
Eu sou o homem,
Tu és a raiz que, no aconchego dos lençóis, se oculta.
E tu és o fruto desejado do nosso amor.