O corpo-a-corpo do Amor
Mais uma vez, do princípio.
O corpo-a-corpo do amor
É composto por três partes:
O negócio, o alvitre, a
fugacidade e, por fim, a morte.
No negócio fazem-se lances,
Apostas de sangue, saliva e
sémen.
É a noite quente do amor.
A hora da ocultação dos sobejos
E a da exibição despudorada dos
amplexos.
O negócio é uma flor delicada,
Um seio excitante entrevisto
lascivamente entre dois bocejos.
É a noite quente do amor.
O altivo alvitre
É a maravilhosa sumptuosidade dos
mercados, dos bazares e das feiras.
De tudo o que é conjunto e exala
um odor a especiarias orientais.
É o gozo dos jantares à luz de
velas nas açoteias de astros desconhecidos.
Na fugacidade trocam-se
Golpes de amor-próprio
Na franqueza do outro
Na precessão dos equinócios dos
corpos
Em que cada vale resguardado
É sabiamente evitado por outra
convulsão
Da ordem estabelecida.
Tal como numa revolução em que
Os indivíduos se abandonam
A escaladas de ofensas e golpes,
Quentes e desmesurados,
Como a lava escorrente
Dos vulcões em erupção,
imparáveis e obscenos.
E a morte?
Não sei, nunca a vi.
Mas presumo que seja
O zero Kelvin da inexistência
A conjugação de inexistências
Para atingirem coisa nenhuma.
A ausência da ausência.
Isto não significa absolutamente nada
Hoje
O meu ontem decidiu
Voltar-se para o meu amanhã
Num gesto de
Ânsia,
Oculto, cego e impossível,
E nos altares de deuses
incógnitos
Foram depositadas ofertas de pura
dor.
Dor já sonhada nos livros
luminosos de Marqueses e Condes.
Que hoje, como ontem, connosco
amanhã gritarão:
- Puta que pariu todos os
realejos cronométricos, esses objectos infernais de medir a desmesura da
palavra Amo
Como, aliás, de toda a palavra.
E tu, estalajadeiro,
Não esqueças as medidas certas de
absinto
Para a mesa dos que aguardam, há eras,
O comboio, sempre atrasado, da
experiência sensível.
E que, entretanto, se afadigam,
E procuram
E perseveram
Em nada fazer.
Alheios aos esforços,
infinitamente diabólicos,
De toda a persuasão e de todo o
perdão,
Humanos ou divinos.
Curioso!
É curioso
Que me tenha recordado de ti,
Na madrugada,
Corrossel infantil,
Dos despojos do amanhã,
À medida que folheava
As páginas solarengas do livro
dos impossíveis.
Necessito esquecer:
O pó,
O vazio,
A dor, e
A sagrada religião de que só tu
és a imaginada celebrante.
Esquecer filosofias e sapos
E permanecer ainda no cais
conceptual da tua beleza.
E ver partir, sem bilhete ou
possibilidade de o comprar, o cacilheiro advento mágico do teu seio.
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