14 agosto 2018

poesis (ou, fazer algo, não importa o quê) - escritos antigos


O corpo-a-corpo do Amor

Mais uma vez, do princípio.
O corpo-a-corpo do amor
É composto por três partes:
O negócio, o alvitre, a fugacidade e, por fim, a morte.

No negócio fazem-se lances,
Apostas de sangue, saliva e sémen.
É a noite quente do amor.
A hora da ocultação dos sobejos
E a da exibição despudorada dos amplexos.
O negócio é uma flor delicada,
Um seio excitante entrevisto lascivamente entre dois bocejos.
É a noite quente do amor.

O altivo alvitre
É a maravilhosa sumptuosidade dos mercados, dos bazares e das feiras.
De tudo o que é conjunto e exala um odor a especiarias orientais.
É o gozo dos jantares à luz de velas nas açoteias de astros desconhecidos.

Na fugacidade trocam-se
Golpes de amor-próprio
Na franqueza do outro
Na precessão dos equinócios dos corpos
Em que cada vale resguardado
É sabiamente evitado por outra convulsão
Da ordem estabelecida.
Tal como numa revolução em que
Os indivíduos se abandonam
A escaladas de ofensas e golpes,
Quentes e desmesurados,
Como a lava escorrente
Dos vulcões em erupção, imparáveis e obscenos.

E a morte?
Não sei, nunca a vi.
Mas presumo que seja
O zero Kelvin da inexistência
A conjugação de inexistências
Para atingirem coisa nenhuma.
A ausência da ausência.




Isto não significa absolutamente nada

Hoje
O meu ontem decidiu
Voltar-se para o meu amanhã
Num gesto de
Ânsia,
Oculto, cego e impossível,
E nos altares de deuses incógnitos
Foram depositadas ofertas de pura dor.
Dor já sonhada nos livros luminosos de Marqueses e Condes.
Que hoje, como ontem, connosco amanhã gritarão:
- Puta que pariu todos os realejos cronométricos, esses objectos infernais de medir a desmesura da palavra Amo
Como, aliás, de toda a palavra.

E tu, estalajadeiro,
Não esqueças as medidas certas de absinto
Para a mesa dos que aguardam, há eras,
O comboio, sempre atrasado, da experiência sensível.
E que, entretanto, se afadigam,
E procuram
E perseveram
Em nada fazer.
Alheios aos esforços, infinitamente diabólicos,
De toda a persuasão e de todo o perdão,
Humanos ou divinos.






Curioso!

É curioso
Que me tenha recordado de ti,
Na madrugada,
Corrossel infantil,
Dos despojos do amanhã,
À medida que folheava
As páginas solarengas do livro dos impossíveis.
Necessito esquecer:
O pó,
O vazio,
A dor, e
A sagrada religião de que só tu és a imaginada celebrante.
Esquecer filosofias e sapos
E permanecer ainda no cais conceptual da tua beleza.
E ver partir, sem bilhete ou possibilidade de o comprar, o cacilheiro advento mágico do teu seio.

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